Sou convicta do meu valor enquanto “ator” da construção de uma educação dialógica nesta Instituição. Como diz Paulo Freire o diálogo "impõe-se como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens", já que estes, como seres na busca constante de ser mais, reconhecendo sua própria condição de inacabamento, vão ao encontro do outro, numa busca que "deve ser feita com outros seres que também procuram ser mais e em comunhão com outras consciências".
Então quero trilhar o caminho certo indo ao encontro dos meus pares para sugerir uma parceria intercultural no exercício dificílimo de construir conhecimento como “contemplação da prática”, a minha, a nossa e a dos gestores do IFPB. Para isto apresento-lhes uma experiência:
Faço parte de uma instituição que convive sob o estigma do medo da desobediência, medo do conflito, medo do diálogo, medo da pró-atividade, medo da transparência acadêmica e administrativa. Esta comunidade acuada se defende da incapacidade do exercício político afirmando que “roupa suja se lava em casa” ou “tenhamos zelo pela nossa unidade” ou ainda acusando de “perigosos” os que aprenderam a defender suas posições políticas e expressar a liberdade de pensamento.
Foi para este contexto institucional que a vida me trouxe. Quando terminei o doutorado, cheia de entusiasmos e projetos, retornei para uma instituição em crise e me deixei afetar por ela. Naquele momento, guardei meu diploma de doutora, pesquisadora e fui coordenar um curso técnico em recursos naturais (como era denominado naquele momento). Esta era a demanda, tentei tirar meu diploma do armário, participei de projetos de fomentos à educação, sem obter sucesso; a coordenação me tomava muito do meu tempo e não havia grupos de pesquisa estabelecidos na minha área. Para continuar atualizada eu teria que ter me mantido pró-ativa em um grupo de pesquisa na universidade. Naquela época, o modelo da academia era bastante propicio e favorável, mas predominava alguma confusão de papéis acadêmicos, quase uma constante nessa instituição. Com dificuldades de reconhecer o espaço ao qual eu pertencia, disse em uma assembléia, de forma ressentida, que não iria dar aula no ensino médio.
O meu conflito não era de rejeição a esta modalidade de ensino, mas de quem não estava cumprindo um papel produtivo na instituição à altura da minha titulação: defendia a criação de cursos superiores e a implantação da pesquisa. E eu de forma inadvertida assumi este problema como meu, isoladamente. Paguei um preço alto por isto, porque não reconhecia, ainda o lugar onde eu estava: uma instituição autoritária e sem a prática do diálogo. Os doutores recém-chegados, não se organizavam para discutir que políticas de pesquisa desejariam implementar na instituição e, os poucos, iam desanimando, se acomodando ao marasmo institucional ou, como último recurso, se reintegravam em grupos de pesquisas nas universidades de origem; na máximo, conseguiam reproduzir modelos acadêmicos descontextualizados da educação profissional. Naquele momento, eu só estava respondendo ao contexto político institucional (confusão de identidade, ausência de diálogo e medo).
No entanto, graças a uma resiliência que trago de berço, consegui reagir aos poucos. Naquela época, havia diretrizes nacionais para inclusão de uma política de extensão mais efetiva nos CEFET’s. Participei de chamadas públicas em uma área de educação (prevenção ao uso de drogas em escolas públicas) e em 2005 consegui aprovar o primeiro programa no PROEXTMEC, intitulado Programa Rede Viva que possibilitou novas experiências educacionais em todos os níveis de ensino do fundamental à pós-graduação. Estava consciente de que este seria um tema marginal no CEFET-PB, mas assumi a causa.
Nas acepções de Paulo Freire e Martin Buber a educação dialógica apresenta quatro dimensões: existencial, estética, política e pedagógica. Este era meu desafio: inserir uma temática que me foi apresentada, como apelo dos movimentos sociais, que trabalham com usuários de drogas e seus familiares, fundamentando esta proposta nestas quatro dimensões. Este projeto representou pessoalmente a unidade de sujeito intelectual e humano. Não tinha volta. Os resultados começaram a acontecer: mais de 80 estudantes do CEFET foram atendidos no primeiro ano em cursos de formação de multiplicadores da prevenção, além de vários educandos e educadores de outras escolas públicas de ensino fundamental e médio. A proposta já nasceu como um programa. Havia ações na mídia, nas comunidades, nas escolas e por 03 anos consecutivos renovamos junto o Programa Rede Viva, junto ao MEC.
Em 2008, o projeto começou a sofrer solução de continuidade. Dentre outros fatores, contribuíram para isto, o atraso na prestação de contas da gestão do professor João Batista como diretor geral do CEFET. Neste período, mesmo com o projeto em crise, foi nos oferecido uma sala para funcionarmos em melhores condições, até aquele momento estávamos em um espaço bastante improvisado. Para nossa surpresa em menos de um ano fomos convidados a nos retirar porque o bloco iria ser demolido. Quero crer que não foi proposital, a gestão não sabia do projeto de construção de um novo bloco naquele local. Em seguida, fomos deslocados para um espaço improvisado, sem sala, sem recursos, sem iluminação adequada, mesmo assim tentamos sustentar o programa com parcerias externas. Um recurso oriundo da SENAD- Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, para pagamento parcial de um curso de especialização, que estava em andamento com uma parceria com a UNIFESP- Universidade Federal de São Paulo foi devolvido, não encontramos uma forma de execução (o procurador da Instituição, no final de 2009, reconheceu a impossibilidade de acesso ao recurso porque atrasamos demais as decisões).
Mesmo diante das dificuldades que se agravavam, resistimos e chegamos a nos tornar um Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Dependência Química (NETDEQ), com o apoio da professora Edelcides Gondim, que fez a defesa do projeto junto a Reitoria. Após às argüições cabíveis ao projeto, creio que pautada na experiência de trabalho que tivemos por quase um década na área de meio ambiente, o NETDEQ teve a sua Portaria emitida. Quero registrar que a Reitoria sempre teve reservas quanto a programas e projetos com fomento das políticas de pesquisa e extensão, o que foi verbalizado em várias ocasiões, inclusive com insinuações de necessidade de cuidado (zelo) com a “coisa pública”. Meu consolo, é que essa não era uma posição pessoal e nem como rejeição ao tema das drogas. Mas por um fator mais complexo em termos de gestão.
O problema era, naquele momento, e continua sendo, a marginalidade das iniciativas acadêmicas como parte do conflito existencial e identitário vigente na Instituição. Pois bem, após a instalação do Netdeq recebi o convite da assesssora do Reitor para liberar o espaço, que precisa ser ocupado com os novos setores criados. Nesta fase com o apoio da professora Edelcides Gondim fomos deslocados para a Pró-Reitoria de Extensão na Rua das Trincheiras. Não tínhamos muitas opções: ou ficávamos em uma sala improvisada, que a reitoria solicitava através da Assesssora, ou aceitávamos a proposta de mudança. Se o Netdeq estava vinculado à Pró-Reitoria de extensão nada mais coerente.
O que eu não entendia naquele momento, é que estava sendo deslocada para um setor que é meramente um apêndice da Instituição. Uma Pró-Reitoria sem recurso próprio, sem autonomia para cumprir o Plano de Trabalho, sem autonomia acadêmica ou financeira; todas essas dificuldades induziram a queda na participação estudantil no projeto, principalmente, em função do distanciamento do campus João Pessoa. Lamentavelmente, esta realidade nunca foi avaliada em uma reunião formal. Mas, o Netdeq sobreviveu ao processo de marginalização e secundarização. Foram produzidos quatro grandes eventos nesta área, o Núcleo formou 54 profissionais em curso de especialização, capacitou lideranças comunitárias, promoveu a discussão na mídia com mais de 50 programas de TV produzidos em três anos de articulação do jornalista Crisvalter Medeiros, que ousou fazer um trabalho de comunicação seguindo um modelo alternativo de informar e formar.
O Netdeq resistiu ao desgaste do processo político de 2010 e assegurou seu trabalho para 2011 participando de uma Chamada Pública, que estabeleceu o Centro Regional de Referência para Formação de Profissionais da Rede de Atenção aos Usuários de Drogas, e ainda continua sendo um espaço de produção acadêmica para estudantes do IFPB. Nunca deixamos de participar dos processos instituídos por editais de bolsas, tanto na Pesquisa como na Extensão. Atualmente, contamos com todas as dificuldades, inclusive de sucateamento da estrutura física, com seis bolsistas e quatro voluntários, que integram três projetos de pesquisa, sendo um de extensão e a construção de mais um TCC nesta área com a interface da Licenciatura em Química. Todo semestre fazemos relatórios de nossas atividades para a Pró-Reitoria de Extensão e a de Pesquisa.
Atualmente, nosso trabalho foi motivo de repercussão nacional, sendo envolvido em uma articulação com a SETEC, Ministério da Saúde (MS) e Secretaria Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SENAD) para construção de cursos profissionalizantes nesta área.
Com essas práticas estamos construindo a ponte epistemológica que integra ensino, pesquisa e extensão. Buscamos, a todo custo, inclusive o de confrontos pessoais, fortalecer nos Institutos as ações da extensão acadêmica que encontra muita resistência para inserção em áreas de ensino tecnológico. Estamos participando de articulações junto aos movimentos sociais e de políticas públicas para dar visibilidade a causa do uso de drogas e seus problemas correlatos. O CRR-IFPB, atualmente, ministra quatro cursos na área de extensão com a participação de 360 profissionais das Redes SUS e SUAS, projeto que integra uma Política Interministerial.
Esta prática da “educação humanizada” é gestada na compreensão ontológica daquilo que é meu sentido de vida como educadora. Se os Institutos não conseguem enxergar por esse ângulo, nem valorizá-lo, isto não afeta minhas convicções. Desta forma, assim como foi com a temática de Meio Ambiente, um processo difícil e sofrido para implantar em decorrência das resistências históricas da área de Tecnologia da Construção Civil também poderá ser com a área de promoção da saúde. Estas experiências anteriores deveriam estar sendo utilizadas na revisão de nossas práticas educativas para a construção de diálogos que tragam para a Paraíba o conhecimento que a sociedade necessita.
Esse exercício dissertativo tem, na verdade, o objetivo de relatar o seguinte episódio: Na semana passada publiquei uma foto minha integrando os participantes de um Seminário Nacional sobre Formação Técnica em Saúde que aconteceu em Brasília e para o qual fui convidada. No referido evento estavam presentes o Secretário Eliezer Pacheco e o Reitor do IFCe, presidente do CONIF, Ricardo Gomes e o Ministro da Saúde. O seminário articulou atores da educação em saúde para organizar um movimento nacional de implantação de cursos nas áreas de saúde em toda a Rede Pública e Privada de ensino Técnico e Tecnológico. Se fizeram presentes os Institutos do Ceará, Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e outros que estão assumindo esta responsabilidade. Fui convidada para integrar este movimento. O convite não foi um privilégio, mas o reconhecimento pela consolidação do trabalho que venho desenvolvendo na Instituição.
A referida matéria de nossa participação neste evento foi publicada no blog “Dar voz a quem não tem” (www.aadvocacy.blogspot.com) na sexta-feira (02.09). Na segunda-feira fui convidada às pressas, como é prática da Pró-Reitoria de Extensão, para uma reunião. Foi uma convocação sem pauta e sem formalização instituição. Ao chegar na Pró-Reitoria fui surpreendida com uma “inquisição” à moda da idade média, articulada pela professora Edelcides Gondim, professor Guilherme Brito e a Coordenadora de Projetos de Extensão Olga Bezerra, que assumiram de imediato a função de meu inquisidores. A forma como a pró-reitora me abordou foi totalmente indigna de qualquer relação institucional. Ela afirmou acintosamente que “o Centro foi longe demais e precisamos fazer pontes com o Instituto”. Fui acusada por ela de não ter nenhuma ação com estudantes do IFPB, o que é uma inverdade. Num determinado momento da reunião, a Pró-Reitora ameaçou relocar o Centro de Referência do NETDEQ para uma Escola que tenha area de saúde. Esta ação, caso se concretize, será uma apropriação indevida da produção intelectual
Fui acusada pelo professor Guilherme Brito de não prestar informações à Pró-Reitoria sobre minha agenda, o que seria irrelevante pois se constituiria apenas em um tipo de controle disciplinar e não em apoio à produção acadêmica. O que falta na Pró-Reitoria são as reuniões sistemáticas para socialização das ações. A servidora Olga Bezerra, por sua vez, insinuou inadequação metodológica dos processos vigentes no Netdeq e recomendou que eu fosse aprender com o NUPES como fazer prevenção através do protagonismo juvenil.
Gostaria de dizer publicamente à professora Edelcides Gondim, e não em um ambiente confinado, da minha indignação pela falta de autonomia que ela, enquanto Pró-Reitora, apresentou na defesa dos processos institucionais da extensão, não conseguindo ser autora das suas próprias decisões.
Para o professor Gulherme Brito apresento minha indiferença ao movimento de Controle Disciplinar, não compactuo com esta postura porque estou em um ambiente educacional e não apresento situação de risco indisciplinar nas minhas atividades profissionais. Sou adepta do pressuposto pedagógico: não há um caminho para a transformação, a transformação é o próprio caminho da educação.
Desta forma, sugiro ao professor que repense suas práticas, pois todo educador precisa se atualizar revendo suas práticas. Acho que as posturas meramente disciplinadoras são improdutivas, valorizo a relação dialógica nas atividades educacionais; ao invés de vigiar e punir, estimular e e produzir. Com relação às acusações de ações dissimuladas, sou totalmente transparente divulgando todas as minhas iniciativas.
Com relação às colocações de Olga, considero que ela não conhece em profundidade nosso trabalho. Deixo uma sugestão em reconhecimento ao seu potencial: não julgue o que não conhece. Procure se informar melhor sobre os processos e metodologias adotadas no Netdeq.
Finalmente, reconheço a minha emotividade diante de processos autoritários, contrangedores e repressores ao quais fui submetida na reunião do dia 05 de setembro, na Pró-Reitoria de Extensão do IFPB, pela equipe gestora, coordenada pela professora Edelcides Gondim.
Mas, reafirmo racionalmente tudo que foi colocado de forma emotiva naquele momento. Continuo me sentido indignada e assediada pelo episódio, mas entendo que ele é importante na construção de um novo projeto institucional que não fará sem conflitos entre visões educacionais e de processos administrativos.
O IFPB vivencia um momento de discussão da democratização das suas relações institucionais pelo movimento dos servidores, através da sua entidade representativa. Seria o momento também de se buscar novas formas de relacionamentos interpessoais, superando o modelo repressor que se estabeleceu ao longo de muitos anos na Instituição, já que este modelo é inadequado ao processo criativo necessário a uma educação inclusiva e de qualidade.